Em Dezembro de 2018, na segunda conferência de Imprensa colectiva do seu mandato, o Folha 8 questionou o Presidente João Lourenço. O nosso Director (“amigo William Tonet” na terminologia então usada pelo Presidente) abordou a questão de ser urgente um Pacto de Regime. Atentemos no que se passou.
Por Orlando Castro
Folha 8 – Senhor Presidente, involuntária ou voluntariamente, no seu último discurso, na I Reunião Ordinária do Comité Central, colocou o MPLA como o primeiro órgão quase de soberania. Acredita que, nesse seu esforço de combater a corrupção e repatriar os capitais, conseguirá sem um verdadeiro pacto de regime capaz de institucionalizar e conferir soberania aos verdadeiros órgãos de soberania?
Presidente – «Eu vou responder-lhe, mas antes, se me permite, deixe-me voltar um pouco atrás a respeito da questão da atenção a prestar à área social, Saúde e Educação. Esta questão não foi colocada por si, mas pelo seu colega que o antecedeu.
Em 2018, estava contemplado no Orçamento Geral do Estado 3.6 por cento desse mesmo orçamento dedicado à Saúde. Para o orçamento acabado de aprovar para 2019, nós temos 6.6 por cento desse mesmo OGE, dedicado à Saúde, praticamente o dobro dos recursos alocados em apenas um ano.
No que diz respeito à Educação, apesar de não ter sido tão grande como na Saúde, em 2018 era de 5.4 por cento e para 2019 é de 5.8. O aumento não é tão grande, mas é um sinal de que o Executivo dá uma importância muito grande a esses dois sectores, quer a Saúde, quer a Educação.
Voltando ao nosso amigo William Tonet, um pacto de regime depende do que é que entende como pacto de regime e, se não se importar, gostaria de que esmiuçasse um pouco mais o que é que entende como pacto de regime, porque, com pacto ou sem pacto, temos de combater a corrupção».
Folha 8 – Senhor Presidente, quando falava de pacto, é porque naturalmente o combate à corrupção tem sido falado. O MPLA tomou a dianteira, mas, se se empreender só o viés político, nesse combate vemos que nada pode vir a acontecer, vai mudar o que nada muda. Penso que esse combate deveria engajar todas as forças políticas para encontrar um denominador, porque agora não sente incompreensões na sua força política se o combate assentar fundamentalmente na parte política. É óbvio que pode haver acordos políticos. Se engajar toda a Nação, o Senhor estaria mais blindado e teria maior credibilidade neste combate à corrupção, porque engajaria todas as partes e todos seriam partícipes naquilo que iríamos definir o que é a corrupção, pois temos a Lei 11/2015, que inviabiliza o que é que se vai repatriar, quando e a partir de onde. Se engajar todos, talvez fosse mais blindado este combate.
Presidente – «Praticamente, em todos os meus discursos eu falo da necessidade do combate à corrupção e não só falo desta necessidade, mas também tenho tido o cuidado de apelar a todas as instituições do Estado, igrejas, organizações não-governamentais, associações profissionais, associações cívicas e, de uma forma geral, aos cidadãos que participem de forma activa nesta luta, que é de todos.
O MPLA não pretende monopolizar esta luta como sendo apenas sua. Nós não fechamos as portas a ninguém, dizendo que esta luta é do MPLA, só nós queremos a taça e que não queremos a interferência de mais ninguém. Isso não é verdade! Antes pelo contrário, somos quem, todos os dias, apela para a participação e contribuição de todos, sem exclusão de ninguém. Se existe alguma força política que se sente excluída desta luta, é porque ela própria se auto-excluiu. Nós só tomamos a iniciativa e talvez pelo facto de tomarmos a iniciativa não tenha sido do agrado de algumas forças políticas, se é que estavam à espera que fosse deles.
Nós tomámos a dianteira, tomámos a iniciativa, mas não afastámos ninguém. Portanto, o que está a dizer é precisamente o contrário do que está a acontecer. Nós não estamos a querer ficar sozinhos nesta luta e não estamos sozinhos nessa luta. Não só não queremos estar sozinhos como também sentimos que não estamos sozinhos nesta luta».
A (falta de) razão do Presidente
Quem assistiu a esta conferência de Imprensa, ou às avulsas intervenções do Presidente João Lourenço, na maioria das vezes, não tem como não se emocionar, pensando estar na presença de um ex-militante de base, vindo do Longonjo ou do exterior do país. Não é o caso. Não foi o caso com Eduardo dos Santos. As boas intenções estão lá todas, por regra no papel que suporta as suas intervenções.
A corrupção, embora na sua génese social seja um cancro gerado e multiplicado pelo MPLA, obriga (dada a sua dimensão) a que a solução passe por todos.
A corrupção é (também) uma questão jurídica que deve ser combatida com leis e não com visões partidocratas, cuja eficácia morre na cumplicidade interna, toda ele sedimentada ao longo de 44 anos de manifesta e total impunidade.
No actual contexto, tudo é difuso, tudo confunde, porquanto, paradoxalmente, o partido líder da bagunça institucional, desde 11 de Novembro de 1975, tenta crucificar uma pessoa, José Eduardo dos Santos, ou um grupo, filhos e próximos, antes idolatrados até à exaustão, para agora permitir à nova autoridade isentar-se de qualquer responsabilidade no desvario e descaracterização do Estado, atolado numa profunda falência técnica e financeira.
Seria bom os novos actores assumirem, em uníssono, os malefícios da “acumulação primitiva do capital” e da privatização partidocrata da economia, reconhecendo, por exemplo, a forma ilícita da aquisição de património imobiliário do Estado, bem como a percentagem de cerca de 2 dólares por barril de petróleo exportado, a favor do MPLA (e, convenhamos, MPLA há só um), colocando-o como um dos partidos mais ricos, financeira e patrimonialmente, em África e no mundo.
Uma mudança séria poderia e deveria passar por um verdadeiro “Pacto de Regime, com a participação de todas as forças vivas do país, unidas numa espécie de Assembleia Constituinte (que Angola nunca teve), para elaboração de novas normas jurídico constitucionais e legais e não o abocanhar exclusivo do MPLA, dando a sensação de competência, quando os 44 anos de poder ininterrupto, mostram precisamente o contrário.
Essa tendência é perigosa e impossível de resultar numa transfusão de sangue perfeita, por não haver virgens inocentes no reino governativo.
Todos foram ao pote do mel, todos, absolutamente todos, com a diferença de uns terem abocanhado mais, do que outros. E tanto assim é que a prova mais evidente é a de ninguém, absolutamente ninguém, integrante do novo Executivo, incluindo o Titular, ter apresentado publicamente o património móvel, imóvel e financeiro e a forma como o adquiriu.
E quando assim é fica provado ser o MPLA o partido com mais agentes de ilicitude por metro quadrado, em Angola, sendo por isso impossível, acreditar, que quem também, tem as mãos cobertas de sangue, tenha capacidade de julgar de forma imparcial e isenta, o outro, pelo risco de não sobrar ninguém, no final.
A luta contra a corrupção teria maior eficácia com a institucionalização do “Pacto de Regime”, que através de uma fórmula, onde a inteligência suplantasse a força, elaboraria um cadastro minucioso, constando o nome e património de cada agente público ou privado, adquirido ilicitamente. Em seguida se veria qual o montante lícito investido e o ilícito, que seria considerado uma forma de financiamento do Estado, que este teria de pagar, com juros, mensalmente.
Ademais, era, para estabilidade social obrigatório, em função do montante, a obrigatoriedade de terem nos quadros da empresa, mais de 50% de trabalhadores com carteira assinada, não podendo ser despedidos, a não ser nos marcos da Constituição e da Lei Geral do Trabalho, comprovadamente.
Vejamos o seguinte exemplo: O “Pacto de Regime”, no levantamento apura que a Empresa OLHA SÓ, Lda, antes propriedade do Estado, por nepotismo, peculato, corrupção ou tráfico de influência, teve apenas 39% de investimento privado lícito.
Confrontado o empresário com este facto, o Estado, nas negociações, destilando sentimento de seriedade e comprometimento com a estabilidade empresarial e social, considera os restantes 61%, adquiridos ilicitamente, como financiamento público, a ser pago, com juros (princípio da recuperação de capitais ilícitos), num período de 5 a 10 anos, para que, cumpridos os prazos, o Estado assista a injecção de dinheiro fresco, nos cofres, para além de estabilidade social, com a geração de emprego com carteira assinada (mais de 50% da força de trabalho), durante o período de amortização. Mais, haveria ainda a obrigatoriedade dos agentes “carimbados de corruptos”, terem de apadrinhar uma escola ou posto médico. No final, com o pagamento integral, o empreendimento entra para a esfera jurídica do empresário, caso contrário é penhorado a favor do Estado.
Igual estratégia seria utilizada com os capitais no exterior.
A política de ameaça, de confisco coercitivo pode não ter a eficácia desejada e, nesse ínterim, levado a que muito património se tenha esfumado, por falta de confiança no regime, que não inspira – reconheçamos – confiança. A lógica do repatriamento de capitais, não pode assentar na intimidação, coacção e força, autênticos inimigos da estabilidade e confiança emocional dos agentes económicos.
A obsessão de se combater a corrupção, colocando no centro dos discursos, apenas um segmento restrito de corruptos, descaracteriza o combate, que deve ser geral e abstracto, segundo a Lei.
O Presidente João Lourenço, deve colocar-se como “pai de todos angolanos” e não o carrasco de Zenú e companhia, ao considera-lo, só depois de chegar ao Poder, um criminoso marimbondo. Será que os registos do MPLA ou do Conselho de Ministros, registam algum voto de protesto às nomeações: presidente do Fundo Soberano e presidente da SONANGOL, para legitimar as actuais críticas de quem à época, era vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa?
Finalmente é preciso colocar todos os intelectuais e actores políticos a pensar o país e não serem sempre os mesmos, do MPLA, num vergonhoso conceito de “vira latas”, que no final, apenas sabem substituir “seis (6) por meia dúzia”.